HENRIQUE
OLIVEIRA: multidões cromáticas e invasores urbanos.
Quase no apagar
das luzes, consegui ver a exposição de Henrique Oliveira no Centro de Arte
Helio Oiticica (acaba nesse final de semana, dia 03). Tenho o visto em Bienais
(2008, 2010), Paralela 2006 e nesse OiR – 2012, com trabalhos de grande escala,
que atravessam o espaço expositivo, ao mesmo tempo deixam-se atravessar ao
abrir suas entranhas. Mas individual é a primeira.
Relutei um pouco
porque o último trabalho que vi no Parque de Madureira (Rj) na mostra OiR (nome
horrível), não me agradou. Problemas de escala, de posição e de certa
passividade em relação à situação do parque. Parecia que a peça tinha pousado
naquele parque de diversões, não se diferenciando dele.
No CAHO, com
curadoria de Vanda Klabin, além das esculturas, há a surpresa das pinturas, que
não conhecia (muito embora tenha o artista tenha começado como pintor nos anos
1990). De fato, já se pressentia essa visada pictórica nas esculturas e
instalações pelo tratamento sensível da superfície da madeira. Inclusive, na
instalação da Bienal de 2010, havia por certo, uma citação explicita à “A criação do mundo” de Courbet.
São telas
“estranhas”, de intenso e vibrante cromatismo, perfazendo uma verdadeira
acumulação pictórica. Difícil definir um padrão estrutural nessas telas. O que
vemos são espécies de veios, magmas cromáticos latentes e acomodatícios. Não se
trata propriamente de pinceladas, a meu ver, na medida em que estão destituídas
de teor expressivo - não expõem uma vontade incontida de expansão ou uma
vontade de ordem reguladora. Parecem apenas estar ali, ocupando o espaço
possível, se infiltrando por brechas, escoando por frestas, fluindo em
intervalos disponíveis, no limite da coalescência. Se há algum procedimento
ditando o movimento (que pode ser lento, rápido ou mesmo ríspido), me parece
que seja a maleabilidade ou a capacidade infinita de adaptação ao meio. Outro traço seria a proliferação, daí a
elevada densidade cromática. Para usar o jargão dos urbanistas, há alta taxa de
ocupação dessa multidão de cores por centímetro quadrado, mas uma ocupação em
perpétuo movimento e acomodação. Nesse contínuo proliferar-se, cada tela seria
apenas o retrato de um instante que no seguinte, já teria se modificado.
Cores pop,
superficiais e exteriorizadas acentuam a sensação de que apesar do dinamismo
cromático, não há ação, mas tão somente reação. O gesto cínico e iconoclasta
pós-moderno, a ação idealista moderna, a vontade revolucionário iluminista, a virtus humanista, todos e tantos ideais
se veem abafados nesse estado de latência e anestesia contemporâneo. Isto
perfaz uma espécie de desesperançado decorativismo lúdico, mas lúcido. Para mim
o aspecto mais interessante dessas pinturas.
Já das peças
escultóricas tinha alguma ideia. São cinco trabalhos, que se poderia dizer que
se enquadram na categoria de relevos, devido à sua dependência da parede e ao
seu estado entre pintura e escultura. Estranhas protuberâncias afloram da
superfície, de aparência orgânica pulsante, como se estivessem vivas, agitadas
por uma força primordial. Curiosamente essa urpflanze
(planta primordial goetheana), na qual não se distingue arte e natureza, é
construída com restos de tapumes recolhidos de canteiros de obras. Portanto,
aquilo que é refugo de construção, é a matéria-prima para esses novos seres. Por
um lado, as placas de madeira compensada formando volumes envolventes remetem à
memória vegetal com sua textura corrugada e impregnada de musgos e fungos. Por
outro, o aspecto de colagem precária, de lascas grampeadas que revestem o
esqueleto estrutural remetem à lógica da bricolagem construtiva que vemos nas favelas de nossas metrópoles.
Se a analogia
vegetal é preponderante nos relevos que surgem do plano, nas peças que parecem brotar
da parede, a impressão é outra. Aparecem como se fossem inflamações expostas,
vísceras que explodem da epiderme, provocando uma sensação quase de repulsa. Tamanha
estranheza não deixa de suscitar nossa imaginação científica, ficamos mesmo a
imaginar criaturas ameaçadoras, embriões monstruosos gestados nesses casulos
gigantes, prestes a serem expelidos.
Esses relevos me
parecem os mais bem realizados da mostra, por tudo o que tem de insólito e
formalmente imaginativo, mas especialmente pelo corte brusco que operam nas
nossas balizas físicas de mentais de
estabilidade e segurança. Não por acaso são aquelas que mais incisivamente
contestam a ordem do espaço arquitetônico.
Se os tapumes
são usados para isolar e ocultar o trabalho sujo e brutal do canteiro, para que
a edificação surja incólume, após esse processo poético de transmutação, se
convertem em abscessos pulsantes que irrompem para fora da superfície, como se
as entranhas da construção estivessem sendo atacadas por inimigos patológicos
que eclodem, conspurcando a inteireza e homogeneidade da parede. Tais eclosões
orgânicas num elemento mecânico que delimita um espaço funcional atuam como
verdadeiras cisões nas nossas ficções de racionalidade.