NIEMEYER I
BRUTALISMO
PLÁSTICO – AUDITÓRIO DO EDIFÍCIO MANCHETE
Projeto: Oscar Niemeyer
Uma surpresa o
auditório do Edifício Manchete[1],
projeto de Oscar Niemeyer. Não o conhecia, mas a oportunidade surgiu porque lá
ocorreu nos dias 23 e 24 de setembro o ARQFUTURO 2013.
Edifício Manchete - projeto Oscar Niemeyer |
Se o prédio da Manchete era bastante conhecido,
a anfiteatro se mantinha oculto, escondido por trás do bloco principal. À
primeira vista nada parece lembrar o projeto de Niemeyer. Nada daquelas coberturas
ondulantes e expansivas como nos auditórios do Caminho Niemeyer, nada da forma
aérea e rasante como o auditório do Parque Ibirapuera. Aqui o que vemos é uma
imensa caixa de concreto aparente, cheio de volumes cúbicos que afloram na
parte alta da grande fachada de entrada. Denso, pesado e estático, tudo faria
lembrar a linguagem do brutalismo paulista de Paulo Mendes da Rocha ou de Lina Bo
Bardi.
Mas o contraste
de linguagem entre os dois blocos, contudo, é rigorosamente calculado. Para
chegar ao auditório, precisamos passar pelos límpidos e elegantes espaços do
saguão de entrada do edifício, atravessado por mezaninos e cheio de brilhos e reflexos;
subir até o quarto piso, de onde vemos ao fundo a poderosa fachada-muralha de
concreto. Um pátio aberto separa os dois
blocos, e o caminho rumo ao auditório ocorre por uma marquise recortada e
vedada por panos de vidro.
Um espelho
d’água à frente da imensa porta centralizada na fachada completa a disposição
espacial. A brancura das placas de mármore do piso contrasta com o negrume do
espelho d’água, que por força de seu alinhamento com o retângulo da grande
porta, estabelece uma continuidade visual ao mudar de diedro, passando de plano
líquido a plano vertical rígido. Acima, grandes caixas de concreto do qual
afloram arbustos e folhagens, executam uma verdadeira dança geometricamente
coreografada, de recuos e avanços qual um gigantesco relevo plástico.
A área do pátio é relativamente pequena em
relação às proporções amplificadas do auditório, cuja caixa de palco apresenta
um imenso pé direito, como se vê no corte, alcançando a altura máxima da
catenária que desenha a cobertura. Justamente o plano de fechamento em concreto
é o que se volta para o pátio. Logo se compreende que a imensa porta alinhada
ao espelho d’água fecha o vão que dá para o palco e que, se necessário se abre
para o pátio, caso de espetáculos ao ar livre.
Tanto o espelho
d’água como a dupla abertura do palco (para o interior e para o exterior),
assim como o tratamento da circulação como promedade
são procedimentos típicos do partido de Niemeyer nos teatros e auditórios.
Incomum é a
forte materialidade e a absoluta frontalidade do plano da fachada-muralha. Ao
contrário dos outros tantos auditórios desenhados por Niemeyer, em que o volume
domina o espaço ao redor, pela sua posição centralizada, e por isso pode impor
a força de seu desenho de perfil, no caso do Teatro do edifício Manchete, por
ter sido construída em área bastante consolidada e em lote difícil, entalado
por entre as construções existentes e encostas, a solução seguiu outro partido:
assumir a frontalidade e investi-la de dinamismo plástico. Não há distancia a
ser tomada para perceber a totalidade da forma, não há afastamentos ao redor
por onde percorrer e assim apreender a unidade da forma. Nesse absoluto de
frontalidade, os espaços são revelados aos poucos, de modo parcial e
gradativo.
Não obstante,
observando com mais cuidado a implantação do conjunto, percebemos que esse
mesmo constrangimento urbano – lote irregular e massa edificada no entorno - impôs
também o alinhamento do bloco principal de 12 pavimentos junto à testada do
lote, dispondo sua grande e cristalina fachada para a Rua do Russel e o para o
Aterro do Flamengo. A implantação forma um L tendo no braço maior o edifício
principal, e noutro, o eixo ao longo do qual se conclui com o auditório. Forma-se, assim uma dupla planaridade: uma, a "nobre simplicidade" da fachada do bloco principal; outra, a "severa grandeza" da elevação do auditório.
E apesar do
expressivo e inusitado desta muralha frontal, a planta do auditório assume a
configuração tipológica reconhecível, com as empenas laterais curvas em desenvolvimento
radial típico. No interior, o diferencial são os níveis elevados nas laterais,
que definem plataformas de serviços técnicos e dos quais se tem acesso aos
bastidores. Esse setor assinala a abertura espacial da plateia e a empena de
fechamento marca a curvatura do plano. Este recebe um tratamento escultural,
marcado por um padrão geométrico de sólidos retangulares, claro contraponto aos
cubos suspensos da fachada. E de fato, o conjunto das partes mecânicas envolve
praticamente o núcleo espacial formado pelo conjunto palco/plateia: passarelas
elevadas acima do teto acústico, coxias, urdimentos, camarins cercando o palco,
salas de projeção contornando o fundo da plateia, infraestrutura técnica em
piso inferior. É isso que provoca a sensação de que o volume exterior é muito
maior que o espaço interior.
corte longitudinal do auditório |
Diga-se de
passagem, também não seria a primeira vez que Niemeyer se mostra assimilativo
em relação à linguagem de outros arquitetos e de outras tradições não modernas.
Já no início de carreira, na residência Francisco Peixoto (1940) em Cataguases/MG
e em sua própria residência na Rua Sacopã (1942), o arquiteto demonstraria
diálogo com o partido nativista de Lucio Costa. Na década seguinte, a
proximidade com Sérgio Bernardes igualmente se expressaria na conciliação entre
o industrial e o arcaico no projeto da Residência Edmundo Canavellas (1954), em
Pedro do Rio/RJ. Em Brasília, é notória as alusões à antiguidade romana no Palácio da Justiça e no Palácio do Itamarati, onde são visíveis o tema das arcadas que
envolvem o edifício, e as alusões à tradição grega no Palácio do Planalto e
Supremo Tribunal Federal, em que o tema dominante são colunas e pórticos.
Pode ser que Niemeyer
tenha se tornado repetitivo no final de sua longa trajetória, tenha se
conformado no conforto de seu consagrado partido plástico, mas ao fim e ao
cabo, continua surpreendendo, literalmente tirando “coelhos da cartola”. Sinal
de que tinha alguma noção dos limites de seus procedimentos e da necessidade de
contrariá-los mesmo que para continuar sustentando-os.
[1] O
edifício foi construído nos anos 1960 para o grupo Bloch, cuja falência em 2000
deixou-o em estado de abandono.
Recentemente passou por um processo de revitalização –retrofit –
liberando-o novamente para ocupação, agora por multinacionais do ramo de
petróleo e gás, conforme reportagem da revista Veja (maio de 2012). Como não
tenho informação sobre o projeto de recuperação, não há como garantir que se o
projeto de Niemeyer foi respeitado na íntegra.