terça-feira, 6 de agosto de 2013


O ZYX levanta voo ... Piroux, Zissou, Louis, Dédé e Robert tentam levantar voo também. Rouzat, setembro 1910

Jeannine Lhemann, Royan, setembro 1926

Dédé, Rouzat, 1911

Automóvel Delage, Grande Prêmio do Automóvel Clube da França, Le Tréport, junho 1912

Minha prima Bichonnade, Paris 1905

Arlette Prevost, ou Anna la Pradvina e seus cães Chichi e Gogo, na avenida do Bosque, Paris, 1911

Bibi, Arlette e Irène. Tempestade em Cannes, 1929

Tempestade em Nice, 1925


JACQUES HENRI LARTIGUE – A vida em movimento

Muito da anestesia contemporânea se deve ao desencanto com as promessas da modernidade. A utopia do socialismo, a revolução russa, as vanguardas, o progresso liberalista, a livre competição do mercado, a nova cidade, nada disso parece ter se realizado em benefício da humanidade. O século XX firma-se como o século das catástrofes e da destruição. Duas guerras mundiais, o holocausto, o genocídio e a ameaça nuclear minaram qualquer perspectiva positiva, toda a confiança no futuro e esperança no gênero humano. A iminência do fim do ambiente natural é apenas a consequência funesta e sombria da sanha destruidora da modernidade.
Mas esta mesma modernidade, mais do que promessas propiciou um campo inédito de experiências liberatórias que não nos damos conta em razão de nosso ceticismo e desesperança com a contemporaneidade.
A exposição de fotografias de Jacques Henri Lartigue (1894-1986) no Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro nos faz lembrar que a modernidade não é só tragédia, mas também um momento de intensificação vital. As fotografias de Lartigue especialmente da primeira metade do século, mostram “a  vida em movimento” com um entusiasmo e felicidade contagiantes.
O esporte, o lazer, as máquinas voadoras e os carros de corrida, o passeio no parque, as tempestades, as ressacas do mar, a beleza feminina, tudo exala um contagiante clima lúdico, nos advertindo que a vida pode ter momentos felizes, efêmeros talvez mas definitivamente efetivos e afetivos. Não há como não pensar na precisa e poética definição de Baudelaire de que “A modernidade é a tensão entre o efêmero e o eterno”, ou seja, na busca da integridade do transitório.

Zissou, Rouzat, 1911

Coco, Hendaye, 1934

Louis, corrida de bobsleighs, Rouzat, 1911

Zissou, Rouzat, 1908

A sombra e o reflexo: Bibi, Hendaye, 1927

Gérard, Willenmetz e Dani, Royan, 1926


Renée Perle, Biarritz, 1930


O entusiasmo pela vida exalado pelas fotografias de Lartigue tem, a meu ver algo da vivacidade de um Monet e da “Alegria de viver” de Matisse. A liberação do corpo, o frenesi cinético da velocidade, a excitação do voo e a atração pelas máquinas voadoras, a futilidade das “mulheres casaco de pele” (inevitável não pensar em Saul Steinberg) em seu passeio pela Avenida das Acácias, enfim, os motivos do fotógrafo denotam um sentimento positivo da existência, no limite um otimismo vital. Não há psicologia nesses retratados, apenas descarga de energia corporal, puro fruir. Sem drama, apenas movimento captado em sua mais intensa manifestação. Uma pirueta na piscina, um mergulho no mar, um salto para agarrar a bola, um golpe da raquete num jogo de tênis, um refrescar-se com jato d’água, um deitar-se ao sol, um deleitar-se à sombra, um equilibrar-se contra a tempestade, um exibir-se aos olhares, tantos são os instantâneos fixados com extremo frescor e espontaneidade. E com humor e comicidade sutis, inclusive nos títulos atribuídos, na ausência de constrangimento em situações banais ou nas mais artificiosas, na pose forçada sem disfarce, por pura diversão. Talvez seja essa justamente a razão de sua felicidade: a ausência de tensão moral, de uma ação plena e exterior que pode ser entendido como um bem-estar consigo mesmo, na medida em que tudo está em conexão sem esforço ou intenção aparente.
Tudo parece não ter peso, seja físico, psicológico, moral ou histórico. Corpos e objetos deslizam, alçam voo, flutuam, giram no espaço; chão e céu  ora se confundem como nas tiradas da praia, ora se contrastam como nos locais de competição de planadores. O peso da terra é sombrio, o vazio do céu é luminoso e entre eles corpos em suspensão.
Daí a ansiedade de Lartigue para, de alguma forma, capturar esses momentos felizes da vida. E isso se fazia não só pela captura do instantâneo fotográfico. Lartigue fazia questão de registrar sua existência cotidiana em diários, nos quais sempre começava pelo registro da condição climática e terminava com uma nota para o dia transcorrido. Outro dispositivo para eternizar o transitório, de efetivamente captar não apenas a imagem, mas a atmosfera, o clima, os odores, as sensações, as cores, os afetos, seriam os álbuns nos quais efetuava uma verdadeira operação de montagem construtivista sentimental, colando séries temáticas (como os mergulhos na piscina, o dia na praia) cuja simultaneidade de imagens dá a atmosfera do momento. Tornar esses momentos tangíveis, perenes na memória o levou a explorar técnica estereoscópica, que dá um efeito de 3D, ou seja, de profundidade espacial e relevo.
Não há como não apontar a indisfarçável identificação do fotógrafo com o seus motivos, sempre familiares, domésticos mesmo, na companhia dos familiares, dos amores, dos amigos. Ele não se oculta por trás do mecanismo, não se ausenta da cena, ao contrário, está sempre incluído nela, participa dos eventos que captura. O fato de utilizar preferencialmente câmaras manuais, definitivamente próximas ao corpo, com um disparador direto, não é casual, permite um vínculo direto entre o olhar e movimento para que mira, enquadramento e disparador sejam acionados no momento exato.


Diário agenda, 1914

Albúm 1927 - Da série A sombra e o reflexo

Na banheira com meu hidroplanador de hélice eólica. Foto tirada com minha
block-note Gaumont apoiada numa tábua, obturador disparado por Dudu.
Paris, Rua Cortambert, 1904.


É claro que há um fundo de melancolia, inevitável a quem vive integralmente a modernidade como apontou Baudelaire, melancolia daquele que vive a tensão de fixar o transitório, mas sabe que ele se esgota rápido. Guardá-lo na memória, mesmo com plena consciência de sua insuficiência e incompletude, é uma alternativa possível. O entusiasmo pela vida em movimento, Lartigue bem o sabe, é um instante de felicidade que logo passa e o que persiste é a modorrenta rotina e a coerção do mundo do trabalho. Lartirgue era um típico dandy, que resistia ao utilitarismo capitalista, um burguês que aproveitou o quanto pode a disponibilidade moderna, muito embora tenha passado por momentos trágicos do século XX. Um “avestruz”, tal qual ele mesmo se designava, preferiu mergulhar no mundo da juvenil felicidade privada, ao invés de ocupar-se dos acontecimentos trágicos da vida adulta.

JACQUES HENRI LARTIGUE – A vida em movimento
15 junho a 15 setembro

Instituto Moreira Salles – IMS - Rio de Janeiro 

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